A GÊNESE GRUNI
EM MEADOS dos anos noventa, quando começava a tomar conhecimento maior da obra musical de Roberto Carlos, conheci a versão do rei para Alley-Oop, nome original do personagem americano, aqui chamado de Brucutu, como também é chamada a referida canção em português. O nome Brucutu não me era estranho; apelido de caras grandões, eu já havia visto até comércio com esse nome. Mas foi a versão de Rossini Pinto, cantada por Roberto Carlos, que me trouxe o conhecimento de que se tratava de um personagem diferente: um homem das cavernas, um pré-histórico. Mas de uma pré-história que imitava o homem moderno. A música também descrevia o Brucutu, e deixava claro: “das histórias em quadrinhos, da revistas, dos jornais”. O personagem fazia muito sucesso na época da canção (1965). Então, não quis saber de mais nada: escrevi o texto que deu origem aquele que seria o meu primeiro grupo de teatro. Era setembro de 1996, mais de trinta anos após Roberto ter gravado a canção. Eu não dei bola ao universo antigo do Brucutu, e trouxe o personagem ao tumultuado fim do século XX. Mas respeitando o fato de não ser meu o personagem, na minha história ele era apenas um personagem da TV, muito querido pelo garotinho Hugo, personagem principal do meu texto (fazendo de conta que em teatro existe personagem principal). No fundo, minha preocupação era não me sentir um plagiador. Para não pensar nisso, me contentei apenas com os nomes relatados na música (Brucutu e sua turma), me questionei e me recusei a procurar nas gibitecas. Mesmo porque, no meu texto, os nomes dos outros personagens eram apenas citados; só o Brucutu aparecia, e não em sua época, mas na casa do pequeno garoto Hugo – onde toda a trama é desenrolada aqui, não na pré-história. Não. Definitivamente, eu não tinha o menor interesse em saber nada do Brucutu.
Nossa comédia infantil estreou em fevereiro de 1997, e só no ano seguinte, com o texto e o espetáculo prontos (há, há, há) fui matar minha curiosidade, fui matar minha curiosidade e me dirigi a uma gibiteca no centro de São Paulo para, enfim, conhecer o verdadeiro Brucutu. Devo ter lido duas ou três historinhas e, constatei perplexo: Hugo era o nome de um dos amigos do Brucutu no gibi, outro pré-histórico. Paciência. Era um gibi pequeno, e apenas a capa era colorida; uma revistinha dos anos cinqüenta.
Um belo dia, num mês que não me lembro, em 2000, fui muito bem recebido por um dos desenhistas da fantástica Fábrica de Quadrinhos, um dos maiores estúdios de quadrinhos de São Paulo, em seu próprio local de trabalho. Levei-lhe alguns textos e a ingenuidade de que pudesse ser redator, já que eu adorava criar histórias. Quando ele pôs as mãos em BRUCUTU... (!) Parou, silenciou e me disse: “toma cuidado com isso”. Percebendo que eu não havia entendido, me explicou em tom amigo sobre os direitos autorais. Não, o personagem não havia caído em domínio público; e apesar de eu lhe explicar que apenas o nome era usado, ele ajuntou que se tratava de uma marca, e que o personagem tem, inclusive, direitos reservados no país. Se eu não quisesse permanecer no anonimato, tinha que dar um jeito naquilo. E que eu nem pensasse em requerer os direitos legalmente, pois era uma grana que nem eu nem a Fábrica tínhamos como bancar. Entendi a gravidade da situação, mas ele me animou em seguida. Disse que se era apenas o nome do personagem, pré-históricos existem vários; que eu mudasse o nome. Então, o Brucutu “de André Leonardo” iria mudar de nome... E para qual?
UMA NOVA FÁBULA
PODEMOS DIZER que grunhir é sinônimo de rosnar. Mas algo como rosnador seria, no mínimo, pecaminoso. Grunhidor talvez pudesse; Rosni se aproxima mais de um nome moderno – o que nem é o caso aqui. Gruni soa mais simpático; no mínimo, sorridente, o que acaba por desmentir as aparências. E quem liga pra elas? Os nossos personagens? Mas o choque faz parte da concepção. Pois bem. Dispensei o H para ficar mais fácil falar com resfriado ou gripado. E quanto ao Hú... Bem, quem ler uma das versões do texto, verá que é todo (ou pelo menos quase) o vocabulário do grandão. Então, taí. Gruni-Hú. Ele rosna, grunhi, mas para expressar verbalmente qualquer tipo de sentimento: hú. Hú alegre, hú triste, hú observador, hú pensativo, hú feliz... Ah! só pra lembrar: Alley-Oop fala, Gruni-Hú não.
Como já foi dito antes, Gruni-Hú é um personagem de um programa de tv e ídolo do pequeno Hugo. Por isso mesmo, o condutor de toda a aventura é o garotinho, não o personagem que ele gosta. Fácil notar, vendo-se que a família do pequeno faz parte da trama, a do Gruni não. Os vizinhos do Hugo também, do Gruni não. E de onde vem esse formato alegre colorido que contagiou todo o texto? Podemos dizer que, principalmente dos quadrinhos de Walt Disney e Maurício de Souza, que muito influenciaram minhas primeiras historinhas. Disse-me Carlos Alberto Sofredini ao ler o texto: lembra uma história em quadrinhos, um gibi infantil. A família, o namorado da irmã do pequeno, o amigo do namorado, o vizinho chato da família (o rabugento que não gosta de crianças), a aparição de um guarda, o brinquedo que vira personagem real, o misterioso Berlok (que já foi vilão, e hoje é o amigo das crianças) e por aí vai... Personagens bem diferentes numa mesma situação, onde se apresentam ao público tal como são. Esses personagens vivem uma aventura diferente, cheia de moção e magia, mas muito real. Trazendo a linguagem infantil ao mundo adulto.
O roteiro aborda a proposta de trazer todo aquele mundo encantado que as crianças estão acostumadas a verem na TV e nas revistas em quadrinhos para a realidade delas, através das comparações de fatos. O castelo é constituído por uma casa comum, e o grande herói é pequeno, e tem apenas sete anos de idade, e precisa salvar das “garras” do seu vizinho rabugento, o Adamastor, o seu melhor amigo, o Gruni-Hú. O grandão veio diretamente da TV para viver grandes aventuras com o pequeno herói. Juntos, formam uma dupla que promete muita diversão às crianças, e convida os adultos a conhecerem o fantástico mundo dos sonhos, proclamado pelo “mágico” da história, o “mago” Berlok.
Enfim, uma fábula diferente e nova, onde intenção da identificação da platéia com o que acontece é possibilitada de verdade. No tocante aos adultos – já que a comédia infantil é para eles – GRUNI-HÚ convida a se prenderem nesse universo infantil, entendendo melhor a diferença entre este e o universo adulto, a fim de que a orquestração de ambos seja melhor. A psicologia e a relação entre pais e filhos estão claramente expostas, assim como o elemento x, ou melhor dizendo, o fator espiritual, devidamente camuflado nas vozes de Berlok e da sua fada madrinha Luz.